Aninha pegou sua boneca preferida, a de cabelos amarelos
feitos de lã, com seus olhinhos de botão antigo e boca de linha vermelha. Bibi,
como Aninha chamava sua amiga, não tinha vida, pelo menos para a maioria das
pessoas, mas para ela, além de vida, ela lhe ouvia, sentia sua tristeza e suas
amarguras. Era Bibi que sentia o gosto das lágrimas da menina quando ela se
sentia triste, a ponto de manter o silêncio como forma de consolo. Naquele momento,
o silêncio era o maior consolo que Aninha podia ter.
Acabara de saber que sua vozinha havia falecido. Ela estava
tão triste. Em seus cinco anos de idade, nada na sua vida era uma calamidade,
só ficava em casa, brincava com o cachorro, e ficava com sua avó. Era sua
companheira das tardes chuvosas ao som do latido dos cachorros e dos biscoitos
de nata que vovó fazia. As coceguinhas, os sustos, os carinhos e afagos,
os beijos de boa noite, quando dormia lá, o sorvete fora de hora, as broncas e
a saudade.
Aninha
não sabia, mas pegou sua avó chorando algumas vezes, ela dizia que era um vento
que passou e irritou seu olho. Josefa também sentia saudades, seu marido faleceu
há três anos, quando a menina tinha apenas dois de idade e nada sabia, nem
andar quase. Ela se apegara a neta como forma de espantar a tristeza e tornaram-se
amigas inseparáveis. Aninha chorava para dormir na casa da vó, na cama da vó; queria
ficar na casa da vó; rejeitava qualquer passeio que não fosse com a avó. Uma segunda
mãe, a que mima, a que cuida, a que ama por dois, três, quatro, por todos.
Naquele
momento ela se viu sem ninguém. Dona Josefa partiu de madrugada, dormindo junto
da neta. Aninha ao acordar, estranhou o fato de sua vovó não ter respondido. Gritou,
chamou, pulou na cama e nada. Bastou um telefonema para sua mãe e o mistério
foi desvendado. Apesar de não saber explicar o que estava acontecendo, pelo
menos funcionou o fato dos pais de Aninha terem a feito decorar o número de
casa. Criança hoje em dia é muito esperta.
E
ela ficou em sua cama, chorando, sem sua amiga, ao lado de Bibi, que naquele
momento era a coisa mais importante de sua vida. A que estava do seu lado, em
silêncio, sem julgá-la, sem balbuciar nenhuma palavra sequer, apenas
registrando aquele momento de dor da sua dona. E era somente aquilo que deveria
fazer: ficar ao lado dela. O resto, a vida iria se encarregar.
Um comentário:
Linda história! Parabéns Rafa!
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