terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A passagem...!


            Aninha pegou sua boneca preferida, a de cabelos amarelos feitos de lã, com seus olhinhos de botão antigo e boca de linha vermelha. Bibi, como Aninha chamava sua amiga, não tinha vida, pelo menos para a maioria das pessoas, mas para ela, além de vida, ela lhe ouvia, sentia sua tristeza e suas amarguras. Era Bibi que sentia o gosto das lágrimas da menina quando ela se sentia triste, a ponto de manter o silêncio como forma de consolo. Naquele momento, o silêncio era o maior consolo que Aninha podia ter.
            Acabara de saber que sua vozinha havia falecido. Ela estava tão triste. Em seus cinco anos de idade, nada na sua vida era uma calamidade, só ficava em casa, brincava com o cachorro, e ficava com sua avó. Era sua companheira das tardes chuvosas ao som do latido dos cachorros e dos biscoitos de nata que vovó fazia. As coceguinhas, os sustos, os carinhos e afagos, os beijos de boa noite, quando dormia lá, o sorvete fora de hora, as broncas e a saudade.
Aninha não sabia, mas pegou sua avó chorando algumas vezes, ela dizia que era um vento que passou e irritou seu olho. Josefa também sentia saudades, seu marido faleceu há três anos, quando a menina tinha apenas dois de idade e nada sabia, nem andar quase. Ela se apegara a neta como forma de espantar a tristeza e tornaram-se amigas inseparáveis. Aninha chorava para dormir na casa da vó, na cama da vó; queria ficar na casa da vó; rejeitava qualquer passeio que não fosse com a avó. Uma segunda mãe, a que mima, a que cuida, a que ama por dois, três, quatro, por todos.
Naquele momento ela se viu sem ninguém. Dona Josefa partiu de madrugada, dormindo junto da neta. Aninha ao acordar, estranhou o fato de sua vovó não ter respondido. Gritou, chamou, pulou na cama e nada. Bastou um telefonema para sua mãe e o mistério foi desvendado. Apesar de não saber explicar o que estava acontecendo, pelo menos funcionou o fato dos pais de Aninha terem a feito decorar o número de casa. Criança hoje em dia é muito esperta.
E ela ficou em sua cama, chorando, sem sua amiga, ao lado de Bibi, que naquele momento era a coisa mais importante de sua vida. A que estava do seu lado, em silêncio, sem julgá-la, sem balbuciar nenhuma palavra sequer, apenas registrando aquele momento de dor da sua dona. E era somente aquilo que deveria fazer: ficar ao lado dela. O resto, a vida iria se encarregar. 

Um comentário:

Unknown disse...

Linda história! Parabéns Rafa!